CAPÍTULO 45 - Claraluz e o Poeta (Pág. 305)
Era uma sexta-feira sombria. Sabará
amanhecera com aquela típica neblina encobrindo toda a cidade, e aquele cenário
assaltava a psique dos sabarenses, remetendo-lhes aos ares da incerteza e da
insegurança que outrora reinaram sob o chicote da cobiça, do encalço
inescrupuloso, desumano, violento e escravocrata ao ouro, o vil metal precioso,
dotado dos superpoderes emanado-lhes pelos séculos 18 e 19, causador de
inúmeras guerras, mortes atrozes, e que servia como referência de valor monetário
para o comércio internacional, recheando as divisas das nações que o possuíam
em abundância, por posse, conquista ou roubo.
No alto da Serra da Piedade, o monte
determinante da essência de Sabará, Caeté, dentre outras cidades, aquela
velhinha, depois de catar lenha, sorvia-se do privilégio de estar no cume
daquela majestosa e imponente montanha, vislumbrando e deslumbrando-se com um
dos maiores espetáculos visuais exibidos fortuita e gratuitamente pelos pincéis
da natureza, emanando a graça e a beleza, e induzindo aquele idoso e ruguento
espírito, testemunha daquela cena aleatoriamente dinâmica, à contemplação e ao
êxtase.
Na visão do alto, um mar de nuvens
brancamente algodoadas até sumir no horizonte, o mar das Minas, que diluviava
por toda a fatia do semicírculo que os olhos alcançavam. Aquela instantânea
cena contrastava cores e estabelecia fronteiras: acima, a abóboda azul,
vigorosa, que assistia o caminhar lento e progressivamente energético da nossa
estrela-mãe. O sol rasgando o céu azul, a lente do infinito formada pela
mistura de gases que compõem a nossa atmosfera, o ar da vida, produzindo aquela
cor tão transcendente.
Abaixo, o montanhoso naco do mineiro
mundo, incógnito, encoberto por intermináveis massas de nuvens, densas e
opacas. Inúmeras marolinhas de nuvens escoradas seguravam a luz daquele sol
muito jovem, mas já vigoroso das seis e quarenta da manhã, que tentava, ainda
em vão, furar o bloqueio daquelas resistentes nuvens, a fim de penetrá-las com
virilidade, até jorrar a sua luz e o seu calor no ventre de Gaia, sêmens de
toda a vida terráquea.
Neste teatro cinzento, o espírito
bandeirante de Borba Gato, emergido sob a lama do fundo do Rio das Velhas,
rondava solto por aquelas ruelas do arraial velho de Sabarabuçu, da grande
pedra de esmeralda, com banhos de prata. Os espíritos sabarenses transitavam,
velada e matreiramente, pela aventura emboaba, perseguindo o ideal
inconfidente, que fundiu, com o ferro e o ouro transmutado em sangue – o negro
sangue derramado nos chicotes e pelourinhos –, o sangue que corria nas veias de
queijo e café: a alma mineira!...
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(Início do Capítulo 45 de Claraluz e o
Poeta)
(Foto obtida na página RickClick
-https://www.facebook.com/rickclickfotografia de Henrique Caetano)
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